domingo, 14 de setembro de 2014

O amor do meio

Tirando as paixões juvenis que deixaram marcas profundas por serem as primeiras, a mulher vivera até hoje dois grandes amores. Em tudo diversos.

O primeiro chegou depois de relações incompletas, instáveis. Gostava das coisas bem claras. (Sua frase preferida era “não foi isso que a gente combinou...”). Queria desde cedo alguém pra dividir a vida, ter filhos, construir casa, trabalhar. E quando encontrou essa pessoa a entrega foi imediata. O namoro durou poucos meses e já estavam juntos. Lembra até hoje do seu vestido curto de noiva, sem grinalda e da escadaria imensa ao sair da Igreja pequena. E dos bombons de uva com doce de leite, que levaram para a lua de mel. A paixão em pouco tempo virou amor. Logo eram duas cabras montanhesas, subindo aquela cadeia de montanhas, fortes e serenos, duros como as rochas da escalada. Em muitos momentos admiraram a vista, respiraram e prosseguiram. “Horinhas de descuido”, de verde e água, de namoro e renovação dos votos. Acontece que muitas vezes com a cabeça baixa, não viram quando começaram a trilhar caminhos diferentes, naquela lida que exigia suor e paciência. No fim de uma tarde qualquer constataram que a distância aumentara e era impossível retornar. Cada um agora devia seguir sozinho. Mas da montanha vizinha um avistava o outro e pensava:  ele está lá. Foi um amor longo, duradouro e sólido como aquelas paredes de pedra. Deu filhos e frutos. Permaneceu um carinho profundo e uma promessa de que quando ficarem velhinhos podem viver juntos novamente.

O segundo chegou no silêncio. Na solidão de um pequeno apartamento, curtido pela tristeza e desesperança. Arrebatou com sua poesia, era o desconhecido. Contra todas as convenções. Uma paixão adolescente na madureza, risco corrido com gosto e um pouco de medo. Leve, fluido e ainda assim ardia como o fogo. Logo eram dois pássaros furando as nuvens róseas, planando sobre o mundo do pequeno cotidiano, lá embaixo. Foram também peixes, mergulhando em cachoeiras doces e mares salgados. Foram flores e estrelas. Metáforas infinitas. Celebração da vida em gestos, imagens, palavras. A paixão virou amor, se estendeu em tempo e espaço e também ergueu casa.  A casa amarela de grades azuis. Naquele santuário o amor fez promessas de eternidade e de ser sempre leal.  E veio uma paz. Nada podia contra aquele sentimento. Nada. Assim pensava(m). Esquecendo a natureza das coisas da natureza. Fogo, vento e água não se domam. Um dia, sem aviso, escorreu, voou, queimou. E assim como veio se foi. Permaneceu o silêncio, nenhuma promessa. 

Na terra desolada a pássara ferida voltou para o ninho e buscou abrigo entre os seus.

O terceiro será firme como a montanha, mas deixa passar o vento, abriga a água e sustenta  o fogo.

Quero agora um amor do meio.