domingo, 16 de agosto de 2015

De pássaros e gatos

A minha história com gatos começou bem cedo, nas férias encantadas da casa da minha avó,  em Conquista, Triângulo Mineiro, com gatos branquinhos e angorás. Bichanos, chaninhos.
Depois eu, menina de apartamento, quase não pude tê-los. A não ser um, que pulou da mangueira da casa vizinha para nossa área de serviço, e que eu carreguei no colo por uns dias, até que fugisse de novo. A minha tendência aos problemas respiratórios, desde muito novinha, tornava proibitiva a convivência. Mesmo assim segui adorando gatos.
Já casada, morando em uma casa grande tivemos alguns, mas não eram criados dentro. De uma hora para outra, essas pessoas que odeiam animais jogavam “bola” pra eles, suspeitávamos da vizinha. Sumiam.
Lembro-me também de uma gata que pariu em casa um gatinho cego. Cuidei dele com mamadeira, mas um dia amanheceu esticado. Uma outra ainda me doeu mais. Chamava-se Mia, presente de um amigo do teatro. Era alaranjada e seus olhos enormes e doces. Sumiu por uns dias e comecei a ficar preocupada. Perguntei aos meus onde será que ela estava e então não puderam mais esconder. Foi a filha que contou: encontraram a gata morta e enterraram no fundo do quintal, naquele dia mesmo do churrasco de família, reuniões que aconteciam em muitos domingos na casa antiga. Eu nem percebi nada, ficaram com dó de me contar. Eu chorei, sou chorona e gostava dela.
Na casa amarela tive gatos que perambulavam durante a obra e que até hoje vêm aqui. E a chegada de Riva, de quem já contei. É uma companhia para a solidão. Esses dias foi castrado e provocou uma crise em mim. Tenho esse direito? Ainda tive a ninhada de gatinhos deixados igualmente no quintal, quatro. Deram trabalho, mas acharam donos que até hoje me agradecem. E Branquinha que foi deixada nos fundos da casa, com olhos assustados e muita fome. Um amigo ficou com ela, acho que mais pra me ajudar. Ganhou um colar de strass e lugar macio pra dormir. Tenho notícias de que é muita arisca e quebra coisas à noite. Gatos.
De pássaros presos nunca gostei, mas o primeiro foi um canarinho. Uma amiga não tinha com quem deixar quando viajou e ele ficou na minha casa. Juquinha. Aprendei a cuidar dele. Cantava muito à tardinha. Bichos são bons para quem gosta de falar sozinha como eu. Rendem boas conversas. Quando me casei ele ficou em casa da minha mãe. Morreu de velhice? Acho que sim.
Quando morei num apartamento, ao chegar do Acre, onde trabalhei, encontrei um ninho de sabiá na janela do banheiro. Foram dias de estranha e curiosa convivência. Eram três filhotes e a mãe. Eles cresceram ali, colados ao vidro opaco e me alentaram naqueles dias sombrios. Com metáforas, por favor. Uma manhã já não estavam.
Um dia nessa casa de teto alto entrou um passarim, bem pequeno. Fiz de tudo para que saísse, mas ele não conseguia. Ficou, passou a noite, dando pequenos saltinhos sobre a cama onde estava e depois dormiu em cima de um quadro. Quando abri a porta do quarto de manhã,  ele estava lá, piando baixinho. Ficou voando pela casa até que arranjei um jeito arriscado para que saísse. Fechei tudo e deixei apenas uma fresta na janela de guilhotina. Então fui soltando lentamente, até que ele entendeu e voou.
Ontem estava trabalhando quando ouvi sons que misturavam miados e pios. Custei a entender que Riva tinha caçado um pássaro, que lutava para se soltar, na cozinha. Foi um desespero. Corri em direção a eles, toquei pra fora. Queria que ele soltasse o pássaro, mas não sabia se já estava muito machucado,  se adiantaria  alguma coisa. Então queria que ele saísse e terminasse aquilo longe de mim. Ele fugiu para o meu quarto, debaixo da cama. Fiquei mais nervosa. Gritei. Até que o pássaro se soltou. E estava vivo. Instantes de alegria e alívio. Toquei Riva do quarto, maldizendo seus instintos. Tranquei a porta. Respirando pensei um pouco no que fazer. Voltei lá e vi que ele parecia bem, mas estava mancando um pouco e tinha perdido todas as penas do rabo. Não conseguiria voar. Precisava de um tempo. Fui à loja de bichos e comprei uma gaiola e alpiste. Pedi ajuda a um amigo, o mesmo que levou Branquinha. Colocamos o pássaro dentro da gaiola. Era um pardal? Ele ficou quieto, muito quieto. Pendurei a gaiola na tesoura do telhado. Então saí para trabalhar. Riva só me olhando, sabendo que desaprovara aquilo.
Fui com a sensação de que o pássaro não sobreviveria. Ao voltar, à noite, observei que ele estava na mesma posição. Aperto no peito. Mais um que vinha se somar aos outros que me assaltam. Sempre à noite. Evitei pensar. Amanhã, amanhã eu resolvo isso.
Logo cedo já sabia que tinha morrido. Procurei minha enxada, abri uma pequena cova. Perto de uma roseira. Abri a gaiola, nas mãos um pedaço de pano velho, resto de um pijama. Aquele serzinho, tão leve. Por isso voam. Ajeitei o pano, enrolei, tampando o bico longo. Pardais tem bicos assim? Acariciei-o um pouco e rezei, antes de deixar o corpo no fundo da covinha. Era a primeira vez que enterrava um passarinho. Puxei a terra com as mãos, pouca. Depois por cima coloquei uns tijolos. Da porta da sala Riva olhava, sem ter coragem de se aproximar.

Pássaros e gatos.  De tudo fiquei pensando: na natureza dos bichos. Na nossa natureza.



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