A minha história com gatos
começou bem cedo, nas férias encantadas da casa da minha avó, em Conquista, Triângulo Mineiro, com gatos branquinhos e angorás. Bichanos, chaninhos.
Depois eu, menina de apartamento,
quase não pude tê-los. A não ser um, que pulou da mangueira da casa vizinha
para nossa área de serviço, e que eu carreguei no colo por uns dias, até que
fugisse de novo. A minha tendência aos problemas respiratórios, desde muito
novinha, tornava proibitiva a convivência. Mesmo assim segui adorando gatos.
Já casada, morando em uma casa
grande tivemos alguns, mas não eram criados dentro. De uma hora para outra, essas pessoas que odeiam animais jogavam “bola” pra eles, suspeitávamos da
vizinha. Sumiam.
Lembro-me também de uma gata que
pariu em casa um gatinho cego. Cuidei dele com mamadeira, mas um dia
amanheceu esticado. Uma outra ainda me doeu mais. Chamava-se Mia, presente de
um amigo do teatro. Era alaranjada e seus olhos enormes e doces. Sumiu por uns
dias e comecei a ficar preocupada. Perguntei aos meus onde será que ela estava
e então não puderam mais esconder. Foi a filha que contou: encontraram a gata
morta e enterraram no fundo do quintal, naquele dia mesmo do churrasco de
família, reuniões que aconteciam em muitos domingos na casa antiga. Eu nem
percebi nada, ficaram com dó de me contar. Eu chorei, sou chorona e gostava
dela.
Na casa amarela tive gatos que
perambulavam durante a obra e que até hoje vêm aqui. E a chegada de Riva, de
quem já contei. É uma companhia para a solidão. Esses dias foi castrado e
provocou uma crise em mim. Tenho esse direito? Ainda tive a ninhada de gatinhos
deixados igualmente no quintal, quatro. Deram trabalho, mas acharam donos que
até hoje me agradecem. E Branquinha que foi deixada nos fundos da casa, com olhos
assustados e muita fome. Um amigo ficou com ela, acho que mais pra me ajudar.
Ganhou um colar de strass e lugar macio pra dormir. Tenho notícias de que é
muita arisca e quebra coisas à noite. Gatos.
De pássaros presos nunca gostei,
mas o primeiro foi um canarinho. Uma amiga não tinha com quem deixar quando
viajou e ele ficou na minha casa. Juquinha. Aprendei a cuidar dele. Cantava
muito à tardinha. Bichos são bons para quem gosta de falar sozinha como eu.
Rendem boas conversas. Quando me casei ele ficou em casa da minha mãe. Morreu
de velhice? Acho que sim.
Quando morei num apartamento, ao chegar
do Acre, onde trabalhei, encontrei um ninho de sabiá na janela do banheiro.
Foram dias de estranha e curiosa convivência. Eram três filhotes e a mãe. Eles cresceram
ali, colados ao vidro opaco e me alentaram naqueles dias sombrios. Com metáforas,
por favor. Uma manhã já não estavam.
Um dia nessa casa de teto alto
entrou um passarim, bem pequeno. Fiz de tudo para que saísse, mas ele não
conseguia. Ficou, passou a noite, dando pequenos saltinhos sobre a cama onde
estava e depois dormiu em cima de um quadro. Quando abri a porta do quarto de
manhã, ele estava lá, piando baixinho. Ficou
voando pela casa até que arranjei um jeito arriscado para que saísse. Fechei
tudo e deixei apenas uma fresta na janela de guilhotina. Então fui soltando
lentamente, até que ele entendeu e voou.
Ontem estava trabalhando quando ouvi
sons que misturavam miados e pios. Custei a entender que Riva tinha caçado um
pássaro, que lutava para se soltar, na cozinha. Foi um desespero. Corri em direção a eles, toquei pra fora. Queria
que ele soltasse o pássaro, mas não sabia se já estava muito machucado, se adiantaria alguma coisa. Então queria que ele saísse e
terminasse aquilo longe de mim. Ele fugiu para o meu quarto, debaixo da cama. Fiquei
mais nervosa. Gritei. Até que o pássaro se soltou. E estava vivo. Instantes de alegria e alívio. Toquei Riva
do quarto, maldizendo seus instintos. Tranquei a porta. Respirando pensei um pouco no que fazer. Voltei lá e vi que
ele parecia bem, mas estava mancando um pouco e tinha perdido todas as penas do
rabo. Não conseguiria voar. Precisava de um tempo. Fui à loja de bichos e
comprei uma gaiola e alpiste. Pedi ajuda a um amigo, o mesmo que levou Branquinha. Colocamos o pássaro dentro da gaiola. Era um pardal? Ele ficou
quieto, muito quieto. Pendurei a gaiola na tesoura do telhado. Então saí para
trabalhar. Riva só me olhando, sabendo que desaprovara aquilo.
Fui com a sensação de que o
pássaro não sobreviveria. Ao voltar, à noite, observei que ele estava na mesma
posição. Aperto no peito. Mais um que vinha se somar aos outros que me
assaltam. Sempre à noite. Evitei pensar. Amanhã, amanhã eu resolvo isso.
Logo cedo já sabia que tinha
morrido. Procurei minha enxada, abri uma pequena cova. Perto de uma roseira.
Abri a gaiola, nas mãos um pedaço de pano velho, resto de um pijama. Aquele
serzinho, tão leve. Por isso voam. Ajeitei o pano, enrolei, tampando o bico longo. Pardais
tem bicos assim? Acariciei-o um pouco e rezei, antes de deixar o corpo no fundo
da covinha. Era a primeira vez que enterrava um passarinho. Puxei a terra com
as mãos, pouca. Depois por cima coloquei uns tijolos. Da porta da sala Riva
olhava, sem ter coragem de se aproximar.
Pássaros e gatos. De tudo fiquei pensando: na natureza dos
bichos. Na nossa natureza.
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