domingo, 25 de janeiro de 2015

Mar-amor

Na primeira vez em que nos encontramos eu era uma pequena garota, de uns 5 ou 6 anos. Descemos, eu e minha irmã mais nova, as curvas da estrada de Santos com nossos tios, num fusca. O dia era cinzento, feio. Usávamos uns maiôs azuis iguais, com babadinhos. Confesso que não entendi porque as pessoas falavam tanto dele. Minha mãe, por exemplo, tinha tantos poemas sobre. Achei, com meus olhos de criança, feia e triste aquela paisagem.

Na segunda vez eu era uma adolescente, 13 anos, corpo recém-transformado, de menina em mulher. Fui de carro com os tios, fora de época, em um feriado emendado. Guarapari. Ali vi o seu azul intenso pela primeira vez, paixão. Sorrateira, fugia da casa e dos afazeres de sobrinha moça, ganhava a praia das amendoeiras. Ali caminhava e sorvia seu fluxo, em silêncio. Voltava dando uma desculpa, os olhos brilhantes como se carregasse um segredo. Na viagem para Belo Horizonte ainda sentia sua presença em meu corpo, na pele salgada e dourada e nos cabelos queimados de sol.

A terceira vez foi com a minha família. Viagem longa na saudosa Variant amarela, dirigida bravamente por mamãe. (Puxei meu pai, nunca gostei de dirigir automóveis.) O bronzeador tinha um cheiro que nunca vou esquecer. O biquíni era azul. Sempre. E o encontro se repetia ano após ano. Nova Almeida, Marataízes, Santa Mônica, Jacaraípe. Comecei um ritual. Conversava baixinho, pedia coisas, agradecia. Você, o vento,  a areia, o sol. Àquele mundo sentia pertencer atavicamente. Desde então, em novembro, já sentia aquele ar que vinha de longe, trazendo seu cheiro e seu chamado.

Antes dos vinte e um conheci sua face carioca. Copacabana. Pela primeira vez tive medo. Como eram grandes seus humores. Como era bonito ver sua imensidão. Queria ficar ali, morar perto de você, meu amor.

Com a chegada dos filhos vieram novos ciclos. Outras terras. Frias, calmas ou agitadas foram suas águas. Nossa paixão diminuiu um pouco, outras pessoas vieram compartilhar seu encanto comigo. Mas sempre, num pequeno momento, nossa hora de confissão chegava. O ritual permanecia.

De repente a vida virou, mudou tanto. Das últimas vezes andava tão melancólica que passei a achar que era delírio da minha parte dar-te tanto valor. Tivemos alguns encontros estranhos, sem intimidade. Nem sabia o que pedir ou desejar. Foi um tempo de silêncio inquieto. E então, sem planejar, parei de repetir os votos uma vez por ano. Desanimei um pouco. Busquei águas mais doces. Pensei que podia, muito bem, viver sem você.  Mas depois de uma visita às terras pernambucanas, dividindo seu azul com a poesia que me habitava naqueles dias, quase enlouqueci e usei as poucas economias que tinha para comprar um casebre perto de ti, numa vila com nome indígena. Por sorte a razão me aconselhou e não segui meu impulso. Seria um erro, como outros que andei cometendo. Sei que você não me seria fiel.  Entendo. É da sua natureza. Melhor continuar como amantes.

Esse ano quis muito ver-te novamente. Passei pelo Rio e combinamos que o encontro seria na Bahia. Onde tudo se torna intenso. Foi como reatar um romance. Você forte, quente, vigoroso, envolveu meu corpo num abraço sem fim. Encharcou-me. Como pude me separar de ti e por tanto tempo? Como pude deixar de te falar, pedir e agradecer por tudo? Vamos ficar juntos novamente. É só o que te peço. Sem condições e sem limites. Preciso-te. Amo-te.